quinta-feira, 25 de março de 2010

Trabalho escravo no caminho da impunidade

Justiça Global


Quase metade dos empregadores flagrados pelo Ministério do Trabalho entre 2003 e 2007 não responde pelo crime na Justiça. Ninguém cumpre pena por esse tipo de exploração no país.







Último país das Américas a abolir a escravatura, em 1888, o Brasil ainda se recusa a mandar para a cadeia quem mantém trabalhadores em condições análogas à de escravo em pleno século XXI. Levantamento exclusivo feito pelo Congresso em Foco mostra que quase a metade dos 645 empregadores incluídos na chamada “lista suja” do trabalho escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entre 2003 e 2007, ainda não responde pelo crime na Justiça. Revela mais: mesmo quando o julgamento resulta em condenação, há sempre uma maneira de evitar a prisão. Resultado: ninguém cumpre pena por esse tipo de crime no país.
O número de processos sem conclusão poderia ser ainda bem maior. Os 343 empregadores flagrados pelo Ministério do Trabalho que viraram alvo da Justiça Federal no período pesquisado são acusados de manter 9.812 trabalhadores rurais em condições análogas às de escravo. Número inferior aos 12.035 libertados das mãos de 302 pessoas físicas e jurídicas notificadas pelo Grupo Móvel sobre as quais não há registro de qualquer denúncia. Em outras palavras, 46% dos empregadores incluídos na “lista suja” não responderam a qualquer processo penal pelo crime até agora.


Dono da Gol

Já  na Bahia foram flagrados 34 empregadores, mas apenas nove respondem criminalmente. Um dos casos sem ação na 
Bahia é emblemático, pois demonstra que o crime ainda tende à impunidade na esfera criminal, apesar do empenho do governo federal para cumprir acordos internacionais de erradicação do trabalho escravo. 

Em 2003, o então presidente do Conselho de Administração da Gol Linhas Aéreas, (Nenê) Constantino de Oliveira, entrou para a lista dos empregadores autuados pelo crime após uma fiscalização do Grupo Móvel em uma fazenda de sua propriedade localizada no município de Luiz Eduardo Magalhães, oeste da Bahia.
Na Fazenda Tabuleiro, os fiscais libertaram 259 trabalhadores. Segundo o relatório, havia seguranças armados que impediam a saída dos trabalhadores da propriedade, servidão por dívidas e violência por parte dos proprietários e aliciadores de mão-de-obra, conhecidos como "gatos".

Apesar de terem sido identificadas todas as condições que caracterizam o trabalho escravo, ainda não há ação criminal contra Nenê Constantino, hoje afastado da empresa aérea. 

Na área trabalhista, o empresário assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) na Bahia, ainda em 2004. Nenê foi obrigado a pagar um anúncio institucional de combate ao trabalho escravo na imprensa baiana. A fazenda foi fiscalizada novamente em 2008 e o MPT atestou que o TAC estava sendo cumprido. 


Seis anos depois, apesar da morosidade, o caso é considerado prioritário e continua sob investigação da Polícia Federal e dos procuradores federais, segundo o MPF-BA. "O presente inquérito teve recente dilação probatória deferida diante da demonstração da necessidade de continuidade das investigações", justifica o MPF-BA ao site.
O Congresso em Foco tentou contato com Constantino por meio de seu advogado, Marcelo Bessa, que defende o empresário em denúncia por homicídio formulada pelo Ministério Público do Distrito Federal. Mas até o fechamento desta edição, não houve retorno ao pedido de entrevista.

Em maio de 2009, Constantino conseguiu o benefício da prisão domiciliar no Tribunal de Justiça do DF. O empresário é acusado de ser o mandante do assassinato de dois homens e teve a prisão preventiva decretada em maio do ano passado. A desembargadora que cuidou do caso considerou que o empresário de 78 anos já estava sob cuidados médicos mesmo antes do decreto de prisão.
Constantino pode se livrar da denúncia por trabalho escravo. De acordo com a legislação em vigor, a prescrição para crimes dessa natureza cai de 12 para seis anos quando o acusado tem mais de 70 anos. A notificação da fazenda do empresário completou seis anos em setembro de 2009. 



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